A ERA BOLADO, UM BREVE E INTENSO REINADO

"Bolado foi o único socialista, dividindo com os pobres tudo que ganhava com seu comércio. Morreu sem um centavo"
Eliza Pirozzi
SERGIO BOLADO, UM "BANDIDO FORMADO"
"Eu tenho nojo de dinheiro, mãe, dinheiro é uma coisa muito suja" costumava dizer Sérgio Bolado para sua mãe Dona Maria de Lourdes, mineira, moradora da Rocinha desde a década de 40. Sergio Ferreira da Silva o Bolado era um jovem entregador de remédios de uma farmácia até tornar-se o maior narcotraficante do Rio de Janeiro. Bolado era o que podemos chamar de um "bandido formado" conforme a conceituação da antropóloga Alba Zaluar, que faz a diferença entre esse tipo e o "bandido porco", ou seja aquele que desrespeita as regras de convivência da comunidade. Seu começo foi como caxangueiro assaltando residências na Zona Sul e aos poucos foi ganhando a confiança de Denir Leandro, o Denys. A "Era Bolado" foi marcada principalmente pela disputa travada com o jogo do bicho na favela. Era uma rixa pessoal contra Luís Carlos Batista, contraventor, dono dos pontos de bicho na Rocinha e Vidigal. No centro da disputa além do domínio territorial, estava o carinho e amizade da líder comunitária Maria Helena. Bolado sucedeu a Dedé, executado pelo grupo no bunker da Rua Dois. A ordem veio de dentro da cadeia.

bolado, photo by alcyr cavalcanti all rights reserved

O "BATISMO DE FOGO" E UMA SENTENÇA DE VIDA
Conheci Bolado em uma tarde quente em janeiro de 1988, durante minha temporada na "maior favela da América do Sul". O sol estava a pino, quase cinquenta graus. Estávamos eu, o repórter Jorge Barros e o motorista Sombra tentando desvendar o que havia por trás de uma serie de versões sobre a matança quase diária na "Guerra da Rocinha". Havia um pequeno detalhe, estávamos procurando trabalhar sem a identificação de jornalistas a serviço do Jornal do Brasil. A imprensa era indesejada na favela, após a publicação do grupo do Bolado em destaque no JB, com um detalhe, estavam todos armados e com o rosto descoberto. As imagens foram obtidas em um churrasco oferecido pelo bando aos repórteres intermediado pelo Geraldo da Caipira,  figura da contravenção e muito querido por todos, com a condição de não serem fotografados nem gravados. O acordo não foi cumprido, o que para o grupo era traição imperdoável, com o agravante das fotos terem ido parar misteriosamente na mesa do delegado Peter Gersten, o segundo homem em importância na política de segurança do Rio de Janeiro. A estratégia quase foi fatal, os dois lados da disputa tinham certeza que éramos policiais fazendo levantamento. A duvida era se pertencíamos à PM2 ou à Policia Federal. Na época alguns jornalistas tinham densas relações com o aparato repressivo. Felizmente Jorge e eu sabíamos praticar nosso oficio de apenas informar, de procurar a verdade por detrás das aparências, sabendo que jornalista não é policial nem bandido, é apenas jornalista.
Sergio Bolado após intenso tiroteio com o grupo rival (os encapuzados) conseguiu nossa rendição, e uma provável execução por um tribunal inclemente. Seu braço direito Buzunga iria nos executar após a rendição. Bolado a frente de um grupo com quinze homens muito bem armados segura o cano do fuzil do imediato e promove a sentença:" Aqui quem manda matar, quem manda viver, sou eu. Eles dizem que são repórteres, quero a ver a matéria deles amanhã, contando tudo, senão vou buscar cada um onde estiver".
foto Alcyr Cavalcant all rights reserved

A matéria foi publicada em destaque no Caderno Cidade do JB, mostrando a destruição causada pelos encapuzados, grupo rival, uma proto-milícia. Depois de alguma negociação, ele nos deu uma longa entrevista publicada sem nada omitir, nem modificar em uma edição especial em fevereiro com o título "Rocinha SA" editada por Zuenir Ventura. A partir dessa data ficamos amigos. Afinal tínhamos uma divida de sangue com ele. O líder comunitário Jorge Mamão figura muito querida na Rocinha repreendeu a um pequeno aprendiz de traficante desconfiado com a minha presença desenvolta no Largo do Boaideiro que o menino me respeitasse porque "Eu já tinha passado no teste de fogo". Bolado nos deu uma sentença de vida, o que possibilita minha entrada na Rocinha até os dias de hoje, para rever velhos amigos.

Comentários

TV EMFOCO disse…
Sou de 1981 narci narocinha amor essa comunidade independentemente de qualquer coisa amor

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