UM ENCONTRO NO ALTO DA ROCINHA, A RUA UM

A Rua Um é o Coração e o Cérebro da "Maior Favela da América do Sul"

Tive meu primeiro contato com o centro nervoso da favela em janeiro de 1988. Estava passando uma temporada na Rocinha a serviço do Jornal do Brasil e fui acordado por um tiroteio cujo foco era a Rua Um. Partimos para lá eu e o querido amigo jornalista Jorge Barros, em um ônibus que corta toda a Estrada da Gávea, a única via de acesso da imensa favela.  O relógio marcava 06h da manhã de um dia de  pleno verão. Havia um pequeno detalhe estávamos a pé, o carro do JB havia sido dispensado. Uma multidão  de curiosos estranhou nossas câmeras e gravadores. Subimos afoitamente a rua e cruzamos com dois corpos sendo carregados para a entrada da rua. Muitos reclamavam pela nossa presença qual "aves de rapina", mas teríamos de começar a fazer nosso trabalho: matéria especial sobre a "guerra entre o jogo do bicho e o trafico". Os corpos foram colocados próximo a um bar na entrada da rua. A pericia e a delegacia local haviam chegado.


Muitas vezes passei novamente pela rua, às vezes a serviço de reportagem, às vezes a passeio, às vezes fazendo "trabalho de campo" para minha dissertação de mestrado para a UFF. É um dos mais belos visuais de nossa cidade, podemos avistar quase toda favela, e a praia de São Conrado e seus edifícios luxuosos. Vamos dar um salto no tempo,  em março de 1997 conheci o "dono do morro". Estava á serviço do Canal Plus (França) indicado pelo grande diretor de cinema Silvio Tendler guiando os franceses pelos inúmeros becos e vielas em segurança. Obviamente pedi ajuda ao amigo já falecido Jorge Mamão, líder comunitário que transitava em todas as áreas de negócios, fossem lícitos ou não. Sabia que para poder andar em liberdade era necessário pedir autorização ao "dono do morro" à maneira de Spike Lee fazendo a coisa certa. O documentário iria focalizar os divertimentos de sábado à noite dos jovens no Rio de Janeiro. nos bailes funk, um contraponto aos jovens em Montreal, Moscou e Paris. O personagem central era Mc Gorila, um jovem morador da Vila Verde um dos 17 sub bairros da favela, que fazia muito sucesso com o rap do Gorila.

Mc Gorila sucesso no baile funk
Fomos eu e um rapaz indicado pelo Mamão que fazia pequenos serviços para a Associação de Moradores, o China. Teríamos que pedir autorização ao dono do baile funk, que já estaria avisado. O encontro foi no meio da Rua Um em uma bifurcação. De repente, do nada, apareceu um jovem branco vestido com bermuda e tênis de grife, sem camisa, estávamos em pleno verão, perguntando o que eu pretendia fazer no baile. Ouvia atentamente, mas respondia de maneira cortês mas secamente, com monossílabos. Um detalhe seu olhar era duro e gélido, quase cortante fazendo lembrar a música de Adoniram "seu olhar mata mais do que bala de carabina, de veneno estricnina, de peixeira de baiano", dava calafrios. Depois de ouvir atentamente ele disse que estava tudo bem, mas com uma questão, somente poderíamos exibir as imagens na Europa, nenhum fotograma sequer no Brasil. Ele estava sozinho, sem arma mas a um três metros atrás, um negro alto e forte acompanhava tudo com atenção, e no alto de uma laje dois fieis armados com fuzis faziam a contenção. Só minutos depois vim a saber que o dono do baile era também o "dono do morro!" seu nome era Lobão, nascido Fernando Freitas reinou na favela até abril de 2000 com plenos poderes. Lobão teve um curto reinado, segundo a versão oficial morreu em acidente, mas a família contesta e não reconheceu o cadáver. Ele teria fugido e arranjaram outra pessoa para ser enterrada em seu lugar. As filmagens foram feitas, não havia nenhuma restrição, mas em todos os locais, e foram vários, duas ou três pessoas iam avisando aos "meninos do movimento" para não aparecer de modo algum em frente às câmeras. O "olho que tudo vê" mantinha tudo sob controle. 

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