A FAVELA COMO PARAÍSO TROPICAL

EPIDEMIA DO CORONA VÍRUS EXPÕE O DRAMA DA FALTA DE UMA POLÍTICA HABITACIONAL 
FAVELAS: PARAÍSO TROPICAL OU INFERNO ASTRAL?
PRECONCEITO DESRESPEITA MILHÕES DE MORADORES
A TV GLAMOURIZA OU DEMONIZA, MAS A REALIDADE FICA ESCONDIDA
O surto do Corona vírus expõe o drama de mais de dois milhões de pessoas que vivem nas mais de 950 favelas e cortiços cariocas, a maioria sem saneamento básico, água e nenhuma urbanização. Algumas não têm um Posto de Saúde que torna o atendimento em suas ruas e vielas quase inacessível.
O desabamento de dois prédios na Muzema uma localidade do Itanhangá, traz a todos a tragédia do completo descaso dos governantes com o problema da moradia. A Muzema teve um crescimento acelerado em apenas 20 anos e hoje já atinge uma enorme população de mais de 25 mil habitantes em uma área bem pequena com edifícios de quatro andares construídos sem nenhum controle.A área é controlada por milicianos que exploram além da moradia, luz, água e fazem extorsão dos comerciantes.
A Prefeitura mente em folheto e "apaga" as favelas, para dar a impressão de que elas não existem e mais uma vez tentam esconder o problema que eles mesmos criaram. Desde a transformação por decreto da categoria favela para a categoria bairro, ou uma pseudo urbanização estimulando moradores a pintar as fachadas semiacabadas por cores vivas, de preferência verde e amarelo, um simulacro de urbanização e um apelo patriótico esdrúxulo que só servem para encobrir uma realidade de mais de dois milhões de cidadãos.   Moradores das mais de 950 favelas do Rio de Janeiro dispensam a atitude descabida e também comentários infelizes como o que o apresentador Faustão disse em seu programa :"Favela e comunidade é a mesma porcaria", uma frase imensamente infeliz. Mais de dois milhões de pessoas que habitam "na porcaria" querem menos palavrório e apenas melhorias que governantes prometem há décadas e nunca cumpriram.
Invasões de morros, tiroteios, "balas achadas",  torres blindadas, cerco cirúrgico, os governantes tem uma fórmula simplória: "Cercar as favelas para acabar com o crime", mas a realidade é bem outra. Há meses atrás uma festa na Praça Mauá publicou um vídeo nas redes sociais que vem demonstrar mais uma vez o profundo desprezo e o oportunismo de algumas pessoas que menosprezam os moradores de localidades, mas que faturam em cima de suas dificuldades,  A festa "Errejota, o Funk é Foda" tornou público através do Facebook imagens preconceituosas de um grupo mal preparado e altamente preconceituoso repetindo novelas e seriados de televisão que colocam ao público uma noção equivocada desses conglomerados urbanos chamados favelas.  A TV hegemônica, mas que perde audiência gradativamente, vai colocar mais uma favela cenográfica  nas lentes do Projac. A tentativa de mostrar as favelas cariocas às vezes como um paraíso tropical, exemplo o morro da Babilônia, depois o Morro da Macaca, e agora o morro onde reina o Sabiá, às vezes como um inferno astral no caso do Morro da Pedreira ou Nova Brasília, vem demonstrar uma falta de conhecimento ao analisar esses conglomerados urbanos, também conhecidos como comunidades. As emissoras de TV criam lugares paradisíacos ou de uma maldade sem fim, omitem por falta de conhecimento, ou para falsear a realidade que as favelas são espaços urbanos com características próprias, mas que pertencem à cidade como um todo.
Desde a primeira em 1897 no Morro da Providência no Centro do Rio, que o preconceito predomina, elas seriam foco de doenças, reduto da marginalidade e fonte de todos os vícios. Vem também desta época o descaso e a falta de interesse dos governantes, sejam eles pertencentes à qualquer grupamento político. Para os que estão no poder as favelas sempre se constituíram em um problema, para os despossuídos uma solução para a falta de interesse em resolver o problema de onde morar. Para José Artur Rios "A favela é uma exigência da estrutura social brasileira. Ela exige relações de dependência econômica que resultam na miséria permanente ou temporária, que por sua vez dá origem a esse tipo de organização social num conhecido círculo vicioso".  No Rio de Janeiro são mais de mil, com tendência a crescer ainda mais, devido ao desemprego, à falta de uma política habitacional, sistema de transportes ineficiente e mais uma série de fatores que vamos deixar para uma outra análise. Em quase todas elas a característica é a falta de saneamento básico, a invasão de terreno público ou privado e construções irregulares, muitas vezes em áreas de risco. Em discurso feito em 25/10/2007 Cabral, então governador preocupado com altos índices de criminalidade tomando como exemplo a Rocinha disparou :"É uma fábrica de marginais" devido aos altos índices de natalidade, e pregou radical controle  comparando a localidade à Zâmbia ou Gabão.  A solução para os governantes tem sido a repressão, a mudança de costumes a "entrada da civilização para a expulsão da barbárie". Com as promessas do Programa de Aceleração do Crescimento-PAC parecia que  tudo ficaria resolvido, de inferno tudo se transformaria em paraíso, como num golpe de mágica. Ao mesmo tempo vieram as Unidades de Policia Pacificadora-UPP que viriam para trazer a tão almejada paz. Pouca coisa foi feita, algumas  favelas foram invadidas e ocupadas por militares, mas as promessas em sua maior parte não saíram do papel. Tiroteios tem sido diários, a disputa por controle de venda de drogas a varejo continua, balas perdidas têm endereço atingindo inocentes, na maioria das vezes crianças que simplesmente brincavam, como no caso de Eduardo de Jesus de 10 anos.
 A tentativa agora é usar o belo visual das localidades para centros de turismo, mais acessível aos milhares de turistas que agora estão chegando à cidade para os megaeventos, desde a visita do Papa Francisco em 2013. Como no sistema existem curiosas contradições, os moradores são obrigados a sair de locais onde construíram suas vidas, para moradias distantes do exíguo mercado de trabalho. A tentativa de erradicar as favelas da Zona Sul é muito antiga, no governo Lacerda foram removidas a ferro e fogo literalmente como a Catacumba, entre outras. Atualmente tornou-se inviável devido à imensa população, embora há alguns anos atrás tenha havido campanha para a remoção da Rocinha, apesar de sua enorme população. Agora vai vigorar um processo seletivo, onde os mais fortes, ou mais aptos vão permanecer. A fria e implacável especulação imobiliária, um dos pilares do capitalismo tardio vai prevalecer, e os morros vão ser tomados pelos donos do capital, em um processo seletivo.  Tudo vai ser transformado em um paraíso tropical cenográfico, ao estilo fábrica dos sonhos, embora a realidade seja bem outra, muito diferente. A antropóloga norte-americana Janice Perlman tem uma obra muito importante para a questão, "O Mito da Marginalidade", da qual cito pequeno trecho que me parece bastante apropriado: "Os mitos solidamente arraigados servem para fundamentar crenças pessoais e interesses da sociedade, e também para dificultar análises aprofundadas que viriam a desmistificar conceitos (e preconceitos) que continuam como verdades imutáveis, moldando políticas públicas que afetam diretamente as populações das favelas e periferias urbanas".

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