"GUERRA CONTRA AS DROGAS" NO RIO DE JANEIRO: A FALANGE VERMELHA

MORRE WILLIAM O PROFESSOR FUNDADOR DA FALANGE VERMELHA 
ILHA GRANDE ERA A "BRASÍLIA DOS BANDIDOS" ONDE TUDO COMEÇOU  EM UM PEQUENO GRUPO. HOJE SÃO MILHARES EM TODO PAÍS
COMANDO VERMELHO-CV  VAI FAZER 43 ANOS
"Ilha Grande osso duro de doer, Onde sofrendo o filho chora e a mãe não vê"
                     Samba de J. Laureano intérprete Bezerra da Silva
William da Silva Lima, o Professor, um dos fundadores da Falange Vermelha morreu no final de julho de 2019 de enfarte. Estava morando em Copacabana em regime aberto cumprindo pena por diversos artigos. William era um dos poucos remanescentes da Primeira formação da Falange Vermelha, junto com Paulo Cesar Chaves o PC personagem do livro Bandido da Chacrete do jornalista Julio Ludemir, com quem tive a honra de colaborar em algumas entrevistas. Paulo Cesar estava morando no Morro da Providência já muito debilitado e provavelmente já falecido.
A chamada Guerra Contra as Drogas é uma batalha sem fim e com poucos resultados na prática. Desde o final dos anos 80 no Rio de Janeiro a "guerra" teve inicio, muitos narcotraficantes, muitos policiais e muitos civis tombaram vitimados por balas perdidas, ou com o endereço certo, mas o "movimento" continua próspero. Há meses atrás foi efetuada mais  uma operação para desbaratar o narcotráfico no Complexo do Alemão com 450 agentes sendo 300 da Policia Civil e 150 da Policia Militar com apoio de blindados. A operação surpreendeu a todos e resultou em intenso tiroteio que deixou vários feridos entre eles o delegado Felipe Cury que está internado. Os agentes pretendiam cumprir 40 mandados de prisão inclusive de traficantes que já estão presos como  Márcio Nepomuceno o Marcinho VP, Edson Souza o Orelha e Marcelo Xará. O Complexo do Alemão é o reduto da rede criminal Comando Vermelho.   A política de segurança é centralizada no combate ao narcotráfico, em especial nas favelas, que seriam a fonte de todos os males. O combate ao tráfico de drogas tem sido feito como uma verdadeira guerra em que o inimigo deve ser exterminado de qualquer forma. O enfrentamento é a tônica, mas esse tipo de atuação tem mostrado poucos resultados, a não ser um número excessivo de mortos e com ferimentos graves tanto dos agentes do tráfico, quanto das forças de segurança e pior, de pessoas civis inocentes, principalmente crianças nas chamadas balas perdidas, mas que geralmente tem endereço certo. A criminalidade com o passar do tempo passou a formar redes criminais, que se formam e se desfazem conforme as necessidades e as taxas de lucro. As redes criminais conhecidas popularmente como "Comandos" tem crescido assustadoramente em todo o país, espalham seus tentáculos também para outros países. A primeira rede criminal formada o Comando Vermelho teve sua origem na Colônia Penal da Ilha Grande em 1979. A sua primeira formação foi a partir do grupo denominado por parte da imprensa como "Falange Vermelha" devido às péssimas condições do sistema prisional onde grupos praticavam estupro, exploravam tráfico de drogas, jogos diversos e monopolizavam até produtos de higiene, como sabonete e papel higiênico. Os presos eram divididos em grupos, por afinidade criminal, ou mesmo por autodefesa, não havia preso que não pertencesse a nenhum grupamento. A Colônia Penal Candido Mendes na  Ilha Grande entre os detentos era chamada de "Caldeirão do Diabo", onde  a fuga era quase impossível e os presos diziam para quem chegava "Aqui é o lugar onde o filho chora e a mãe não vê". Vários livros foram escritos sobre a criminalidade, em especial sobre o presidio Candido Mendes como o de Carlos Amorim sobre o Comando Vermelho, ou o de um de seus fundadores William da Silva Lima, o Professor, mas uso preferencialmente informações da obra de Carlos Pimenta "Ilha Grande Sucursal do inferno"o Nenem Magriço, um dos fundadores do CV. Francisco Carlos Pimenta  participou das ações que resultaram na formação daquela que ainda é a maior rede criminal do Estado do Rio de Janeiro, cumpriu pena e depois converteu-se ao apostolado evangélico.
A FALANGE VERMELHA PASSA A DAR AS ORDENS

Para entendermos o que é o CV necessitamos de voltar atrás e examinarmos como se formou seu embrião, a "Falange Vermelha". Havia uma rotina de furtos, exploração e violência na Ilha, quem dominava era um grupo que aterrorizava chamado "Falange do Jacaré" formada em sua maior parte por presos da Zona Norte, muitos da Favela do Jacarezinho. Os homens da "Jacaré" chegaram a formar um grupo de mais de 900 homens, a maioria dos presos, de um total de  mais de 1.300 detentos. O Governo Militar enviou um grupo de presos políticos incursos na Lei de Segurança Nacional-LSN para a Ilha Grande, na esperança de que seriam destruídos pelos presos comuns. Assaltantes de banco, narcotráfico e alguns outros crimes eram também considerados ameaça á segurança e incursos na LSN e ficavam todos no mesmo pavilhão. A mistura de presos com alto índice de politização com outros de baixa ou nenhuma instrução, todos em condições sub humanas não poderia dar certo, afinal para eles havia um inimigo comum, o sistema carcerário.  Enquanto a Falange do Jacaré exercia o terror, atacando seus próprios companheiros, o grupo minoritário cansado de ser brutalizado começa a se organizar e formam uma caixinha para ajudar os presos fiéis mais caídos e também as famílias que ficariam ao desalento. A leitura de obras revolucionárias feitas pelos presos políticos como "A História da Riqueza do Homem" de Leo Huberman,  "A Revolução na Revolução" de Régis Debray,  textos de Carlos Marighela que formaram o "Mini Manual do Guerrilheiro Urbano" mimeografados e os textos básicos do marxismo ocupavam as longas horas de cárcere e começavam a influenciar os assaltantes de banco que de início não entendiam porque os assaltos tendo como resultado grandes quantias em dinheiro eram divididas religiosamente pelo coletivo. Começava então o embrião do Comando Vermelho, de início uma luta de proteção contra um sistema carcerário extremamente injusto e que transformava os detentos em assassinos violentos e irrecuperáveis. A tomada da Ilha Grande por um grupo minoritário mas extremamente coeso e solidário foi em uma noite de uma segunda feira em que um pequeno grupo dizimou de surpresa alguns líderes da Falange do Jacaré. Já havia uma rivalidade e mesmo desprezo porque os presos da LSN achavam os jacarés desprezíveis que eram considerados  sem nenhuma expressão dentro da ótica da criminalidade, diferença  que a Antropóloga Alba Zaluar chama de "bandido formado" aqueles que gozam de certo conceito e "bandido porco" os que assaltam por qualquer tostão. O massacre começou por uma traição de membros da Jacaré que traindo o coletivo avisaram ao diretor da prisão de um plano de fuga que foi abortado. Mas os líderes da Falange Vermelha souberam da traição e também do plano da Falange do Jacaré que iria exterminar a todos. Então se anteciparam e massacraram os chefes da Jacaré, de surpresa em um banho de sangue. A ascensão da Falange Vermelha foi comemorada em todos os presídios, visto que a Ilha Grande era o núcleo dirigente e como diria Pimenta uma espécie de "Brasília dos bandidos" que ditava as ordens a todo o país. Começa então a ser formada uma cooperativa que comprava as coisas no continente e revendia para os detentos por uma pequena margem de lucro, acabaram assim as extorsões aos familiares, que ao contrário passaram a receber pequena quantia. O embrião de organização contra o Sistema se espalha pelos outros presídios e começa a preocupar o sistema carcerário que não sabe exatamente como proceder. A administração carcerária da Ilha Grande estava mais preocupada em lucrar com a venda do pescado com mão de obra quase escrava, feita pelos detentos. Começa então a consciência de que estavam sendo explorados e os detentos liderados por Apolinário de Souza o Nanai  obrigam a direção a chamar os presos para negociar e colocaram um detento da Falange para fiscalizar. Nanai, um negro alto e forte assaltante de bancos e carros forte e tinha como parceiro José Jorge Saldanha o Bigode que se tornaria um mito na bandidagem anos depois no episódio do cerco a um conjunto habitacional conhecido como "Quatrocentos Contra Um'. Começa a ficar conhecido o lema "Paz, Justiça e Liberdade".

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