SENNA EM INTERLAGOS 1990, O DIA EM QUE O CARRO PEGA FOGO

 CADA FOTOGRAFIA CONTA UMA HISTÓRIA 

UM SÁBADO SEM SORTE PARA AIRTON SENNA E NELSON PIQUET 

Havia sido designado para fazer a cobertura do Grande Prêmio de Formula Um em Interlagos, São Paulo. Era o ano de 1990, Collor estava recém empossado e iria comparecer ao evento. Eu trabalhava no Jornal matutino "O Dia", em fase de reformulação, com os editores que vieram do Jornal do Brasil, Dacio Malta e Orivaldo Perin. A equipe para a cobertura da Fórmula Um era formada por dois fotógrafos e duas repórteres, com todo o apoio da redação. Ficamos no Hotel Bristol, um belo hotel bem perto da sede do Diário Popular que ficava na Major Quedinho, onde o Estadão ficou vários anos até mudar para a nova sede. A revista Isto É também  funcionou aí. Eu conhecia bem a área, tinha ido algumas vezes conversar com o querido Milton Coelho da Graça na época editor da revista. O Diário Popular tinha uma parceria com O Dia, e corria a história que o Orestes Quércia tinha interesses nos dois jornais. Tomei então a iniciativa de procurar o Dipo, como era conhecido o Diário. Fiz logo amizade com o editor de fotografia Silvio, popularmente conhecido como "Peixe" uma belíssima figura. Ficamos amigos e descemos logo para estreitar a amizade em um bar próximo, a melhor maneira de socializar. 

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Tive também a alegria de encontrar também o editor chefe Jorge Miranda Jordão, um dos grandes mestres do Jornalismo que ao lado de Samuel Wainer fizeram da  Ultima Hora um dos mais importantes jornais de nossa história. Estava tranquilo, sabia que teria todo apoio necessário, sem a terrível responsabilidade de ter de efetuar todos os processos revelação e transmissão  para as fotos chegarem à sede na Rua do Riachuelo. Nem um pouco tranquilo estava o editor adjunto de Fotografia de O Dia que veio também e  insistia que as fotografias fossem processadas no quarto do hotel, embora estivesse à nossa disposição toda a estrutura e a camaradagem da equipe do Diário,  durante toda a nossa estadia. Afinal "estávamos servindo ao mesmo patrão", embora curiosamente o colega fotógrafo que exercia o cargo de editor adjunto não pensasse assim. 


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Sábado, véspera do GP de Interlagos seriam realizados os treinos finais, pela manhã e á tarde para definir as posições, o Grid de Largada. Combinei com os parceiros do Diário o posicionamento e me coloquei junto à Curva do S, que julguei importante. Após imagens rotineiras, de olho, com minha Nikon sempre atenta ao "professor" Alain Prost e claro em Nelson Piquet e Airton Senna nossos campeões. De repente após muitas voltas, quase no final da manhã, o bólido de Senna para inexplicavelmente, e começa a sair fumaça do motor. Estava bem colocado, na linha de tiro na mira, pronto para disparar e comecei a controlar os nervos fiz as primeiras fotos e fui acompanhando o que viria a acontecer, vieram prontamente os bombeiros para que não houvesse uma tragédia maior. O treinamento para mim já tinha acabado, embora faltassem algumas voltas, mas senti que era hora de zarpar não para o Bristol, onde  o laboratório improvisado já estava montado, mas para o Diário Popular. O "chefe" fazia questão de revelar, ampliar e óbvio fazer a seleção para transmitir para O Dia, que estavam ansiosamente esperando. Era sábado e só faltavam as fotos do treino para fechar a edição de domingo, dia da maior circulação de O Dia, que fazia mais de 800 mil exemplares, a maior venda em bancas do país. Fiz a coisa certa, ao tomar a iniciativa de escolher um local onde havia toda uma equipe à minha disposição, embora fosse, de certa forma, um estranho no ninho. Mas sabia devido ao contato com o "Peixe" e seus comandados que teria todo apoio. Avisei a ele que tinha imagens do defeito no carro do Senna e imediatamente falou para o laboratorista revelar e ampliar com todo carinho e o operador de telefoto transmitir com a maior presteza. Tive também o cuidado de conversar com os fotógrafo que estavam  na cobertura  do treino, tentando explicar que o acidente tinha acontecido no lugar em que eu estava colocado, felizmente compreenderam a situação e me deram o maior apoio.  O Peixe já tinha feito um relato entusiasmado ao Miranda Jordão, que mandou me chamar após ver as fotografias  veio me abraçar (e muito), e gentilmente pediu para usar as fotografias, que claro já havia combinado com os editores de O Dia. Eram todos amigos, ficariam todos felizes com o "furo". Só quem não ficou nada feliz foi o parceiro de quarto, que me interpelou por não ter cumprido as ordens de fazer todos os processos de revelação no banheiro, ao invés de me felicitar pela precisão (e porque não pela sorte) do belo flagrante que ficaria para sempre. Coisas do Jornalismo, na competição desenfreada, tão própria do sistema que preza a competição a qualquer preço, em detrimento da fraternidade e do espírito de ajuda mútua, em uma equipe. Pensei que daria para um belo almoço acompanhado de um bom whisky, por conta da casa, mas tive de voltar às pressas para Interlagos para acompanhar os treinamentos da tarde, onde provavelmente pequenos ajustes seriam feitos, como de praxe. Mas.......desta vez o raio caiu de novo no mesmo lugar, exatamente no mesmo lugar, só que com outra vítima. Nelson Piquet foi contemplado, seu carro não teve um princípio de incêndio mas enguiçou. O lugar de fato estava marcado pela fatalidade. De novo metralhei e fui a correr, dessa vez não para o Diário, mas para o laboratório onde o "querido amigo" me disse friamente, não sei se vai ser preciso revelar o jornal já fechou a edição e fica pra arquivo. tomei a iniciativa, liguei para o jornal apesar do olhar fulminante que matava mais que tiro de carabina como diria o poeta de Sampa, Adoniram Barbosa. No Rio ficaram em polvorosa, ligaram para os editores para o Ary de Carvalho (dono do jornal) que mandou parar as máquinas e colocar a foto em uma segunda edição. O Diário também usou as fotos do Piquet para a decepção do "chefe da fotografia", que deveria estar dando pulos de alegria. mas não deu. 

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Exausto, não sabia se iria dormir, ou conseguir dormir ou tomar uma boa ducha, comer alguma coisa e tomar algumas doses pra relaxar. A equipe agora estaria unida, iria comemorar em algum lugar e traçar uma 'estratégia" que a experiência do condutor da equipe iria traçar. Declinei do convite, não poderia comemorar com um parceiro desse nível. Já era noite passei no Diário, no departamento fotográfico quase todos tinham ido embora, dei um abraço forte nos dois laboratoristas, no fotógrafo de plantão fui até a redação, mas o Miranda Jordão já tinha saído há alguns minutos. Pedi pra ligarem e ele disse para vir até o Bristol para conversar. Fui prontamente, bebemos várias naquele belo bar, estilo inglês, me senti contemplado naquele belíssimo hotel. Lembramos dos encontros rápidos na noite carioca, nas belas festas que não voltam mais e fui para o quarto me preparar para a batalha do dia seguinte, O Grande Prêmio de Fórmula um de Interlagos São Paulo, Brasil. 

Um domingo de grande frustração para as milhares de pessoas em Interlagos e para os milhões de brasileiros que acompanhavam na torcida de uma dobradinha brasileira Senna/Piquet ou Piquet/Senna, embora os dois mal se cumprimentassem. Eram dois gênios, dois tri campeões mundiais que ficariam na história do automobilismo. Mas o grande vencedor, quem subiu ao pódio para o banho de champanhe e decepção da torcida verde e amarela  foi o francês Alain Prost. Assim foi o GP de Interlagos em 1990 em que as emoções ficariam nos treinamentos e não no domingo que não seria uma festa nem para Senna nem para Piquet. 

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