A VI0LÊNCIA NO DIA DE SÃO SEBASTIÃO
A HISTÓRIA DE UMA FOTO PREMIADA
Dia 20 de janeiro do ano da graça de 1988. O primeiro dia de uma temporada de verão na "Maior Favela da América do Sul" a serviço do Jornal do Brasil. Foi um "batismo de fogo". Era um dia de festa para a cidade que tem o santo padroeiro como símbolo de fé, era o Dia de São Sebastião cultuado entre os católicos, e também na Umbanda onde é denominado Oxóssi, Mas em alguns lugares não é bem assim, a rotina de violência predomina e não respeita nem domingos nem feriados. Foi uma noite de sono muito agitada no pequeno quartinho na Curva do S, na Estrada da Gávea, onde meses atrás tinham assassinado a inesquecível liderança comunitária Maria Helena. Tínhamos alugado uma moradia coletiva, um quartinho dividido entre o repórter Jorge Antônio Barros e Eu. Havíamos dispensado o motorista, para não chamar a atenção, um grave erro que poderia ter nos custado muito caro, teríamos de andar pela imensa favela com centenas de vielas em seus dezoito sub bairros. Jorge dormitava o sono dos justos, enquanto eu atormentado por mil presságios deitado em um colchonete somente cochilava. Com o dia amanhecendo, eram quase seis horas liguei um radinho que tinha levado para me distrair resolvi ouvir as notícias na Radio Globo. Fiquei estarrecido e pulei da cama, ou melhor do colchonete. o locutor berrava "Tiroteio com mortos e feridos na Rocinha". Tive de acordar o Jorge, que de início ainda sonolento custou a entender, mas logo se vestiu e partimos para o local, a Rua Um, na parte alta da favela.
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Foi uma grande dificuldade chegar até o local do crime, tentamos a pé, era quase impossível, forte calor e a distância eram obstáculos difíceis de transpor, enfim veio um ônibus e nos jogamos nele, logo chegamos onde muitas pessoas se aglomeravam em frente a uma tendinha. Depois de muitas perguntas e nenhuma resposta resolvemos entrar em uma viela e fomos subindo e no meio da caminhada deparamos com várias pessoas gritando e descendo com dois corpos e dizendo para não fotografar. Ignorei as ameaças e xingamentos, fui fotografando sem parar e descendo junto com as pessoas. Colocaram os dois corpos e começaram a acender velas para as almas dois dois infelizes, um rito de passagem milenar. Continuei a fotografar e procurar me informar sobre tudo aquilo. Uma pequena multidão, muitas crianças contemplavam a triste situação, velas e mais velas era acendidas. Chega a policia, que cerca o local e um delegado vem examinar os corpos. Foi o clique exato que me rendeu uma primeira página no Jornal do Brasil na matéria especial sobre a Rocinha, uma premiação, e grande destaque em algumas exposições fotográficas no Brasil e no exterior, e também muitas palestras sobre violência urbana. O detalhe é que o Jornal do Brasil tinha por lema, não publicar fotografias de extrema violência com cadáver na capa, mas o olho clínico do maior editor de fotografia de todos os tempos, Alberto Ferreira guardou as fotos para que fossem somente publicadas na edição especial sob o título de "Rocinha S.A" Resolveram abrir uma exceção, pela qualidade da imagem, que fala por si própria. Foi apenas o começo de uma temporada de nove dias que deixou sua marca e que me fez repensar alguns conceitos que tinha sobre esses conglomerados urbanos chamados favelas e seus moradores.
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